O embate sem fim no jornalismo: online e impresso são incompatíveis?

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Acompanhando o excelente blog 233Grados, do colega espanhol Mário Tascón, tenho sempre a impressão de que é difícil e indigesta a aceitação e convivência com as irreversíveis mudanças no processo jornalístico e nos profissionais da área diante do acelerado mundo digital. Mesmo com a evidência dos fatos ainda vemos resistentes entrincheirados, insistindo em encontrar na voz de autoridades da área justificativas para suas posições.

Nessa linha é muito interessante o post do 233Grados que monitora a troca de idéias entre dois jornalistas do El Pais sobre o tema. De um lado, estão ali apresentadas entrevistas realizadas pelo jornalista Juan Cruz – um resistente assumido – com diversos nomes de peso no mundo jornalístico da Europa e dos Estados Unidos. Incrível, pois, o feitiço virou contra o feiticeiro, já que a grande maioria dos entrevistados, em oposição às colocações de Cruz assume o mundo digital como irreversível e já concretizado, sem que isso comprometa um jornalismo de qualidade.

Para acirrar o embate, na outra ponta está o jornalista Enric González – um digitalizado – que assina matéria no mesmo jornal entitulada Funerales onde defende a qualidade de conteúdo como base fundadora para o sucesso de qualquer operação informativa, em qualquer plataforma.

Reproduzo a seguir o trecho mais interessante (em Espanhol):

La industria periodística, que numerosos expertos dan por desahuciada y que, por la costumbre, solemos confundir con el oficio, es un asunto de propietarios, capataces y empleados. Si la despojamos del velo de romanticismo, queda eso: una jerarquía vertical, unos intereses comerciales y políticos, unos empleados que sirven a cambio de un sueldo.

La parte industrial, la que dicen que agoniza, no es especialmente bonita de ver. Toda la gracia está en el oficio, en las personas que lo practican y en el público al que sirven. Quizá desaparezcan las mesas, la cafetería, las complicidades oficinescas, la seguridad de una nómina, la enfermedad retribuida, el relativo cobijo de una cabecera; es de suponer que, en contrapartida, el periodista quedará liberado de los compromisos de sus amos. Se atisba una época en la que el periodista será él mismo, expuesto a la intemperie, a solas con sus propios compromisos y sus propios errores.

São ilustrações que reforçam o temos insistido nesse Intermezzo: discutir informação em ambientes digitais requer mudança cultural da empresa, seus publishers e colaboradores; novas habilidades profissionais; reforma urgenta nas estruturas de ensino,treinamento e desenvolvimento de pessoas, y otras cositas más….

(Beth Saad)

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Redes Sociais e o príncipe eletrônico. Nirvana?

(Caríssimos leitores, perdoem pela longa digressão conceitual neste Intermezzo!)

MaquiavelNiccolò Macchiavelli talvez tenha, por fim, consubstanciado seu herdeiro: os usuários das redes sociais, ou no dizer do saudoso Professor Octávio Ianni, o príncipe eletrônico

Ainda sob os efeitos dos debates ocorridos no Digital Age 2.0 2008, busquei entender um pouco melhor a força do usuário conectado no direcionamento da web. Estaríamos diante de um movimento social de ruptura que merece contextualizações?
Retomo aqui um texto que apresentei quando a ECA-USP fez uma homenagem no passamento do Prof. Ianni em 2004, e a mim coube comentar o seu lado mais contemporâneo, e suas visões sobre o mundo globalizado, a partir de seu texto O Príncipe Eletrônico.

Remixo partes desse texto, considerando que em diferentes momentos históricos de ruptura sempre houve uma presença principesca catalisadora com capacidade de transformação dos paradigmas social, político e econômico vigentes.

O príncipe renascentista de Maquiavel, representado por uma pessoa real, era um líder capaz de conciliar sua virtú (liderança), com a fortuna (as condições sócio-políticas). Claro que tivesse, ele, Maquiavel, por consiglere

Já no Moderno Príncipe de Gramsci, a representação principesca concentra-se no partido político como a entidade social “empenhada em expressar as inquietações dos seus seguidores, mas simultaneamente capaz de interpretar as inquietações e reivindicações dos outros setores da sociedade”. O moderno príncipe traz a ruptura da luta de classes pela soberania e pelo poder; traz a ruptura do socialismo e, consequentemente, a ruptura da radicalização das elites.

Inspirado em Maquiavel e Gramsci, Octávio Ianni nos apresenta o Príncipe Eletrônico como uma possível representação de uma vigente ruptura histórico-social que ultrapassa os limites da política e instala-se nos âmbitos do indivíduo e também da identidade coletiva.

Representação muito compatível àquela das redes sociais recheadas de usuários interagentes.

O Príncipe Eletrônico não é uma pessoa real e nem uma entidade dominante. Mas é constituído de pessoas reais que transitam uma entidade virtual – a rede. E, o que mantém este príncipe vivo e ativo?

  1. Uma permanente atração pela mudança e ruptura;
  2. As possibilidades de experimentação de novos estilos de pensamento baseados na linguagem como um meio de conexão e diálogo;
  3. O estimulo criativo e inventivo de uma era que, embora tecnológica, é alimentada pelas ciências sociais, filosofia e artes que assumem o papel de descobrir ou inventar novos horizontes;
  4. A sabedoria na a utilização dos meios de comunicação (fruto da produção científica) como uma técnica social cuja linguagem (fruto da produção social) tem o poder da ambigüidade entre revelação e manipulação;
  5. Uma onipresença principesca representada pela multiplicação dos espaços e aceleração dos tempos em todas as direções, em todas as esferas de atividades e de imaginação;
  6. O surgimento de um espaço exclusivo para sua ação principesca: o ciberespaço.

 

    

Que acham desta representação para o Príncipe Eletrônico?

 

Podemos dizer que a humanidade, em plena era 2.0 convive com os três príncipes em diferentes situações. Mas, é bom lembrar que o Príncipe Eletrônico, mesmo com seu caráter supra-individuo e supra-entidade, não pode ser considerado a solução apaziguadora para uma sociedade harmônica.
As redes sociais, apesar de todos os bons fluidos que as cercam, também precisam ser vistas aos olhos premonitórios de cientistas sociais de peso com foi Ianni.

Se as redes sociais representam o Príncipe Eletrônico, então é bom considerarmos seu atributo que deixa virtú, fortuna e o partido político em segundo plano: elas beneficiam-se amplamente dos recursos tecnológicos digitais, colocando sob o seu controle os recursos narrativos que permitem tanto registrar e divulgar como enfatizar e esquecer, ou relembrar e enervar. Tal contexto faz com que as possibilidades de consciência se descolem contínua e reiteradamente da realidade, da experiência ou da existência.

Voltamos à eternas dualidades do ciberespaço: real vs virtual; simulação vs. simulacro….

 

(Beth Saad)