O marxismo ainda hoje é considerado algo subversivo. Papo de comunista ou de universitário esquerdóide. Entretanto, uma leitura atenta e livre das paixões partidárias que o estigmatizaram pode trazer explicações sobre muitos movimentos recentes do mundo capitalista, incluindo algumas ligadas à comunicação digital.
Uma releitura da obra de Marx é o que faz a New Left há quase 50 anos. Para falarmos de comunicação digital eu destaco dois de seus representantes: Raymond Williams e Stuart Hall.
O fim dos blogs

Em outubro, o artigo de Paul Boutin na revista Wired deu início a uma série de questionamentos sobre a continuidade dos blogs as we know it. Um de seus argumentos para isso é o fato dos blogs terem sido apropriados por profissionais e empresas que buscam, de alguma forma, monetizar o meio. Desta forma, perde-se a essência de blogs como um canal de comunicação livre e desprendido de qualquer interesse maior. Os espaços públicos atuais para esse tipo de manifestação seriam os serviços de microblogging e comunidades de relacionamento como Twitter e Facebook, respectivamente.
Raymond Williams, em seu “Palavras-Chave”, já previa esse fenômeno. Na obra, ele constata que algumas palavras que definem a nossa sociedade vão mudando de conceito e sentido com o passar dos anos para atender o interesse dominante da ocasião.
Os blogs nasceram como instrumentos de livre expressão e criatividade. Hoje, convivemos com uma massa blogueira que, se não é assalariada para cumprir sua função, persegue de forma insaciável – e, muitas vezes, pouco ética – os invejáveis dólares dos links patrocinados. Palavras são modificadas e discursos são medidos a base de Google Trends em busca de mais page rank. É a versão digital da tão criticada atitude dos programas de televisão que moldam seus conteúdos com base no monitor em tempo real do Ibope.
Comunicação colaborativa

Contemporâneo de Williams, Stuart Hall foi o primeiro editor da New Left Review, que existe até hoje, e um dos principais representantes da Escola de Estudos Culturais de Birmingham, fechada abruptamente em 2002.
Uma das características da sua obra é justamente a crítica ao modelo comunicacional da Escola de Frankfurt, que enxerga o leitor estritamente como receptor, impossibilitado de produção em relação aos meios culturais.
Entretanto, Hall analisa em “Da Diáspora” que a massa não é um receptor passivo, e sim um ativo produtor de cultura. Apesar de o autor tecer seu discurso em uma época em que a internet praticamente não existia, é possível fazer muitas correlações entre o seu pensamento e os acontecimentos presentes.
Por estarmos em um mundo tão mutante e complexo, é fundamental para o comunicador conhecer e revistar a obra desses pensadores que levaram praticamente toda a vida refletindo sobre os fenômenos culturais e comunicacionais da sociedade.
A partir de um repertório sólido, o comunicador poderá compreender de forma mais ampla as relações e conseguirá elaborar estratégias comunicacionais sólidas e duradouras ao invés das famosas “estratégias-estopim”, que fazem muito barulho mas agregam pouco ao relacionamento de longo prazo entre empresa/veículo-consumidor/leitor.
(Andre de Abreu)
Fantástico o post, André!
Incrível como casou com uma discussão recente que tive. A praga da monetização derivada da perseguição cega pela quantidade de acesso virou o objetivo final de boa parte da blogosfera.
Pior do que isso: essa lógica de massa parece imperar sobre todas as pretensões que algumas empresas de comunicação depositam sobre blogs, negligenciando seus pilares, seus diferenciais, o que realmente faz do blog algo com sentido único e, por isso, tão fantástico: o nicho, a liberdade do que é publicado e singularidade.
São movimentos tão opostos que chega a impressionar como o uso do blog vem sendo tão violentamente distorcido pela mídia. No mínimo, uma pena…
Me assustei com o título, principalmente porque não me vejo como alguém “marxista”, ao contrário. Mas acredito verdadeiramente na cultura 2.0. Enfim… fiquei a fim de ler o livro do Hall. Obrigada e um beijo!
Olá, Ana! Você não precisa se preocupar em ser marxista ou não 🙂 É justamente por receio de ser algo que acabamos pulando partes interessantes desse movimento, como a New Left. Concordo com a sua observação da lógica do número de acessos a qualquer preço. É a lei do mais fácil. É a diferença entre querer sustentar seu negócio colocando uma pop-up na home e pensar mais além e criar o conceito de adwords e adsense se deturpar a atividade fim da sua empresa. Enfim, as pessoas preferem ter a segurança e o lucro rápido de um popup na home a inovar e colher frutos no longo prazo. Os mesmo movimento acomete os jornais, que preferem o lucro instantâneo da oferta de brindes casados a um investimento em qualidade que daria resultados ao longo do tempo.
Puxa, que post interessante. Realmente a introdução do capitalismo no mundo dos blogs (sofistiquei demais, né? hehehe) corre o risco de o poder econômico da mídia offline se refletir na internet, e os blogs que gastarem mais esforços com SEO e conseguirem mais audiência “dominarem o mundo”. A pluralidade vai continuar existindo, pois o espaço continuará disponível, mas temo que os mecanismos de propaganda, marketing e do como-ganhar-dinheiro componham a tônica dos blogs num futuro próximo. A conferir…