O que o aluno traz, o que a escola oferece e o que o mercado quer

Na continuação do artigo A Espiral Jornalística, falo de como a maioria dos cursos universitários ainda prepara profissionais para moldar a notícia ao veículo ao invés de ensinar os alunos a integrarem as mídias e as adequarem aos fatos

Muitos jornalistas morreram aguardando esse momento que temos o privilégio de vivenciar hoje. Pela primeira vez na história, as tecnologias digitais permitem que o profissional molde as mídias aos fatos noticiados e não o contrário.

Quantas linhas não foram gastas explicando casos complexos como o do atentado ao World Trade Center em 2001 sem que o leitor realmente tivesse noção da magnitude do caso? Quantos radialistas precisaram contar com a imaginação das pessoas enquanto descreviam as conseqüências do terremoto que assolou a China recentemente?

Nesses dois exemplos, o jornalista precisou adaptar a notícia ao meio e se conformar com as limitações dele. Sem imagens, a turma do rádio precisa se esforçar em detalhar a notícia para que o leitor faça uma imagem mental do ocorrido, enquanto os jornais precisam apelar para uma boa foto quando querem noticiar algum político esbravejando no Congresso.

Infelizmente, precisamos nos contentar com o fato de que os suportes existentes não são totalmente eficazes no seu papel de comunicar os fatos. Afinal, notícias diferentes pedem tratamentos diferentes, mas até então o jornalista esbarrava nas limitações do veículo para o qual ele trabalhava.

Com as mídias digitais tão onipresentes e caminhando para uma via de ubiqüidade de zeros e uns, esse dilema tende a se extinguir. Agora, o jornalista pode muito bem receber uma pauta e – dependendo do assunto – escolher se ela será tratada com um vídeo, com um texto, com uma imagem, um som, uma infografia ou tudo junto. Podemos, enfim, submeter as mídias ao conteúdo e não nos limitarmos mais à ditadura cerceadora dos veículos de comunicação clássicos.

Em paralelo, vivemos em uma sociedade cada vez mais digitalizada. Comece a reparar nos hábitos dos adolescentes ou converse com os pais deles. Você verá que a atual punição favorita para filhos indisciplinados é o corte da internet, do videogame e do celular, e não mais da TV. Esse público, que em 10 anos formará a população economicamente ativa, possui hábitos de consumo de informação totalmente diferentes daqueles que estamos acostumados a atender hoje em dia.

Apesar de todo esse cenário de transição, tanto social quanto do fazer jornalístico, as universidades – mesmo as mais renomadas – ainda estão longe de formar profissionais para essa realidade.

O aluno que entra no curso de jornalismo hoje com 18 anos tem um arcabouço multimídia maior que muitos jornalistas das redações digitais e, inclusive, dos professores. Provavelmente esse calouro publica seus vídeos no YouTube, coloca suas fotos no Flickr e narra seu cotidiano no Twitter. Entretanto, ao invés de se canalizar tudo isso para a prática jornalística, muitas vezes esses egressos passam os quatros anos do curso sem perceber que aquilo que fazem por lazer poderia ser utilizado muito bem para as narrativas jornalísticas.

Na faculdade, esse novo aluno continua apreendendo a como moldar a notícia ao meio e conhecendo cada uma das mídias de forma isolada. Primeiro se aprende a formatar os fatos para o impresso, depois para o rádio, em seguida para a TV e, por fim, para a internet. Entretanto, são poucos os casos em que se ensina como os alunos podem usar todo esse conhecimento de forma integrada em prol de uma narrativa jornalística mais completa e considerando que as limitações que aprendemos a contornar nas aulas agora, com o digital, não existem mais.

Obviamente, o ensino tradicional deve perdurar por anos. Afinal, vamos continuar convivendo com ambos os formatos de produção jornalística por algumas boas décadas. Contudo, é preciso criar e praticar com os alunos o senso de uso integrado dos conceitos clássicos da TV, do rádio e do impresso, porém sem impor a eles as limitações típicas de cada um desses suportes. A missão do professor estará cumprida se ele conseguir criar no estudante o discernimento de julgar qual é o melhor suporte (ou conjunto de suportes) a ser utilizado ao desenvolver uma pauta.

Caso isso não ocorra, vamos continuar assistindo à subutilização narrativa dos veículos digitais que existe hoje. A maioria dos sites da grande imprensa escreve seus textos como escrevem para o jornal, produzem seus podcasts como produzem seus programas de rádios e criam seus conteúdos em vídeo como se fossem para a televisão.

Por todos esses motivos, é urgente começarmos a formar profissionais preparados para este cenário, pois hoje temos uma situação ímpar. Empresas procuram jornalistas para a produção de conteúdo para esta geração digital que está vindo, enquanto os jornalistas que se formam estão preparados para produzir notícias para uma geração que está indo. Isso causa uma grande decepção no aluno. Ele não consegue encontrar emprego nas áreas que exigem os conhecimentos adquiridos na faculdade – ou por saturação ou pelo número reduzido de opções – e não enxerga que, juntando o conhecimento acadêmico e aprofundando o repertório em mídias digitais que já possuiu como usuário, ele estará potencialmente preparado para essas vagas que ficam semanas sem candidatos.

Na última parte deste artigo, abordarei a questão do mercado atual de jornalismo e como ele está lidando com essa questão geracional. Em um lado temos uma sociedade mudando seus hábitos de consumo de informação e no outro temos grupos jornalísticos e faculdades que não se atentaram a essa realidade ou simplesmente ainda não encontraram uma saída para lidar com ela.

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4 thoughts on “O que o aluno traz, o que a escola oferece e o que o mercado quer

  1. Muito pertinente o artigo, André. Sou estudante de jornalismo e, assim como vários colegas, faço uso de diversas ferramentas da internet que tornam a comunicação e o jornalismo um emaranhado de mídias bem inteligível. Se for pra ouvir algo, escutamos a nossa playlist ou algum podcast; muitas das notícias são obtidas em blogs; se vemos um vídeo pode ter certeza que é no youtube. Incansavelmente encontramos tudo isso junto. Estamos acostumados a uma linguagem que invariavelmente praticamos dentro da rede, mas que não praticamos fora dela. É só chegar a aula que aprendemos que o texto pra rádio tem de ter frases curtas, ordem direta, etc. São conceitos extremamente valiosos, mas é um problema só fazer o feijão-com-arroz quando a gente tem tantos ingredientes à mesa. O problema é maior ainda porque simplesmente esquecem desses ingredientes — o que impossibilita ao menos uma discussão, caso eles fossem repudiados pelos professores, e não somente relegados.

  2. Aguardando ansiosamente a continuação desde o meio do ano. Esse artigo me inspirou a fazer muitas coisas nesse 4º período de Jornalismo aqui na UFV, mal posso esperar para ver como vai terminar.

    1. Olá, Thiago! Muito obrigado pela espera e peço desculpas pela demora. Ainda faltam algumas questões que eu gostaria de aprofundar antes de trazer a parte final a público. Agora, com as férias escolares, conseguirei finalizá-lo. Não se preocupe, pois assim que ele entrar no ar escrevo pessoalmente a você avisando.

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