Estaria em gestação um novo “modo de produção” que poderia ser denominado provisoriamente, ao menos, de “colaborativo”?
E este novo modo de produzir estaria sendo gestado no espaço virtual estruturado a partir da internet?
O pesquisador norte-americano Yochai Benkler sugere que sim. Ele esteve recentemente em São Paulo, participando de workshop organizado pelo Tidia – programa Tecnologias da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada da Fapesp.
Na qualidade de professor da Faculdade de Direito da Universidade Yale, ele afirma que sites como o Wikipedia ou os softwares livres como o Linux seriam bons exemplos de novas práticas de produção baseadas no compartilhamento e na cooperação.
Não há propriedade intelectual envolvida, mão-de-obra paga, nem direitos de copyright a reivindicar. Está mais em questão o copyleft. A produção não é vendida como mercadoria. Há uma socialização espontânea dos produtos virtuais.
Mesmo dentro da economia de serviços – em que produtos finais são regiamente pagos – há grandes empresas que trabalham fortemente apoiadas em uma intranet e estaria assim surgindo uma diluição de autoria de produção. Ou seja, mais trabalho colaborativo de equipe.
Benkler formula o conceito common-based peer-production. Não há tradução exata, mas seria uma produção compartilhada entre pares.
Confira o release da Agência de Notícias da Fapesp:
“Trata-se de um método de produção que não deveria existir, pelo menos de acordo com as mais aceitas teorias econômicas. Não deveria ser possível que milhares de voluntários colaborando em um projeto econômico complexo possam derrotar as maiores e mais ricas empresas do mundo no próprio jogo delas, mas é exatamente isso que está ocorrendo na indústria de software”, disse Benkler no artigo Coase´s Penquin, or, Linux and The Nature of the Firm, publicado nem 2002 no The Yale Law Journal.
“A produção colaborativa entre pares representa um fenômeno fascinante que pode permitir a descoberta de reservas do esforço criativo humano que estão subutilizadas. É fundamental criarmos as condições institucionais para que ela se desenvolva”, afirmou o pesquisador.
“Benkler talvez seja o especialista com maior imaginação inovativa para explicar os novos métodos cooperativos e de compartilhamento mediados pela internet”, disse à Agência FAPESP Imre Simon, professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, organizador do evento e coordenador da Incubadora Virtual de Conteúdos Digitais, um dos três projetos do Tidia.
Como ficariam os direitos de propriedade intelectual e a vida acadêmica tal qual hoje estruturada neste “modo de produção emergente”?
Haveria sentido em abandonar o trabalho regular para se dedicar a uma produção compartilhada?
Poderíamos estar presenciando o início de um renascimento científico e cultural com a internet e com este possível modo de produção emergente?
Estas novas formas de produção seriam absorvidas pelo modo de produção capitalista predominante ou teriam um viés socialista?
Essas foram algumas das questões levantadas para Yochai Benkler quando participou de um dos painéis sobre Tecnologia da Informação no Centro de Convenções Rebouças.
Yochai Benkler tem uma barba imensa e uma paciência infinita em responder as mais variadas questões. Tanto na aparência quanto na forma de elaborar seu raciocínio, mais parece um monge budista do que um circunspecto professor de direito. Confira em sua página a explanação mais pormenorizada de suas idéias.
Em tempo, duas últimas questões:
O conceito específico de “modo de produção” é proveniente da teoria econômica. É utilizado profusamente de forma informal em diversas áreas. As formulações de Benkler parecem se apoiar no conceito clássico do termo. Neste ponto, o debate é extenso…
E, bem, não seria o próprio Intermezzo também mais um exemplo dessa forma de produção colaborativa?
Em tempo: a (ótima) dica da presença de Yochai Benkler em São Paulo foi da profa. Beth Saad na lista do Intermezzo. Thanks, Beth!
Produção implica num produto, numa missão … um sistema operacional, uma enciclopédia … O Intermezzo é só um “espaço de reflexão colaborativo”.André
Sergio,Agrada-me muito a ideia de práticas baseadas em compartilhamento e cooperação. Penso que o Intermezzo nasceu dentro dessa filosofia. Mas a questao eh realmente complexa, acho que common-based peer-production vai bem alem. Eh pano pra manga. Boa intervencao a sua! 🙂
Produtos teóricos e imaginários também implicam em um trabalho de produção.Desde os tempos dos Antigos Gregos ou até antes.Ver a propósito as formulações de Louis Althusser e Gramsci a respeito da produção intelectual e teórica, por exemplo. Aliás sequer a produção imaginária de bens culturais está necessariamente dissociada da produção material entendido em seu sentido mais tangível, como objetos concretos e imeditatos.Em teoria econômica, supor apenas a produção de objetos concretos e imediatos como possuindo valor agregado excluindo desses a produção dos bens culturais (ainda que não imediatamente quantificáveis ou com alguma conversao de preço) tem inclusive uma denominação: “economicismo”.Visão antiga, mas que eventualmente retorna.